Fogo à chuva

Fogo à chuva

“Com bom tempo, qualquer um acende uma fogueira”, já diz o ditado.
É nas piores alturas que se vê quem sabe realmente acender um fogo.
Felizmente o nosso quadradinho está bem provido de uma das árvores mais práticas para acender um foguinho quando está tudo encharcado: o pinheiro.
A primeira coisa a fazer é preparar o local onde vamos fazer o fogo. Como a primeira chama é algo frágil, convém que o local seja abrigado pelo menos durante a primeira fase, usando um poncho ou uma lona mesmo por cima do local do fogo. É importante que não nos caia chuva nas primeiras chamas.
Depois é preciso ir à lenha. Os ramos mortos dos pinheiros são excelente combustível. O primeiro indício de que o ramo está morto é a ausência de matéria verde nas pontas. O segundo e claro indício da sua morte é o característico “tak!” quando se parte. Os ramos vivos vão dobrar, ainda que ligeiramente, rejeitem esses.
Madeira morta em pé não significa necessariamente ainda agarrada ao tronco: desde que não estejam em contacto com o chão, servem perfeitamente.
Depois de recolhidos uns ramos valentes, e nesta coisa da chuva mais vale pecar por excesso, quando acharem que têm madeira suficiente, tripliquem a dose, só por segurança. É uma chatice quando está a chover a potes a primeira tentativa falhar por falta de alimento e termos que apanhar a segunda molha a ir recolher madeira de novo.

Portanto temos os nossos ramos debaixo do abrigo. Uma sacudidela valente é mais do que suficiente para lhes retirar o excesso de água que os cubra. Como não estão em contacto com o chão, irão estar relativamente secos por dentro.
O processo de preparação é semelhante ao fogo de gravetos que pode ser encontrado aqui.
Uma base, para permitir uma boa entrada de ar e manter o fogo longe do chão molhado, a lenha separada por tamanhos de mina de lápis, lápis e polegares, em molhos que precisem das duas mãos para os agarrar. Se conseguirem, por uma questão prática, amarrem os freixes mais pequenos.
Uma ressalva aqui para o facto das raízes dos pinheiros crescerem perto da superfície e arderem tipo rastilho, reacendendo por vezes meses depois de termos feito o fogo. Havendo tempo, escavem um pouco para retirar alguma raiz que esteja por debaixo da zona de fogo e permitam que a chuva encharque bem o buraco antes de o tapar de novo.
Depois é a vez da acendalha, que deixamos para o fim para que apanhe o mínimo de humidade possível. Aqui é importante ter um bom molhe de feathersticks, com aparas bem finas e longas. Com alguma prática é possível fazer feathersticks que acendam com uma faísca, mas para já contentemo-nos com uma quantidade do tamanho de uma meloa. Depois de preparada a acendalha é altura de raspar um pouco de pinho resinoso, o mais vermelhinho que encontrarem e que cheire o pior a terbentina que conseguirem. Raspem-no até conseguirem um pó fino na quantidade de uma uva gorda, que mais uma vez é preferível pecar por excesso. Se conseguirem encontrar resina, ainda melhor, que o efeito é o mesmo e dura mais tempo. Tem é que ser bem pulverizado para pegar.
Este pó irá acender com facilidade com algumas faíscas de um firesteel, e esta será a nossa primeira chama. Sobre esta chama vamos colocando muito gentilmente os feathersticks, deixando que a chama lamba a ponta das penas sem as depositar à bruta em cima da chama, abafando-a. Esta é a parte mais crítica do fogo. Assim que as penas ganham chama, é altura de passar aos gravetos.
Por esta altura, o calor da chama dos feathersticks será suficiente para secar o resto de humidade que ainda esteja agarrado ao vosso primeiro molhe tamanho mina de lápis. De novo, pega-se o molhe por cima da chama, apenas de modo a que esta venha lamber os primeiros gravetos, e assim se mantém até que a chama surja por cima do molhe. Podemos então poisar este molhe gentilmente em cima do fogo e repetir o processo com o segundo molhe. Nesta fase a fogueira já deve produzir um calor considerável.
Se por acaso virem a chama esmorecer, sinal claro de pouca oxigenação, pequem na base do primeiro freixe, que ainda deve estar amarrada, e levantem toda a lenha um pouco, permitindo uma entrada de ar por baixo mais eficiente, o que irá fazer disparar as labaredas.
Assim que se poisa o segundo molhe, é altura de começar a alimentar, do lado contrário ao do vento, a fogueira com os gravetos tamanho lápis, mais uma vez pousando gentilmente os ramos. Qualquer atirar de madeira para o fogo até este estar sustentável pode mandar abaixo o trabalho todo.
Uma vez empilhados os gravetos médios, podemos passar então a madeira do tamanho polegar.
Assim que estes estiverem a arder, temos então um fogo sustentável, cujo calor que emite, tanto da chama como da cama de brasas que entretanto se foi formando, é suficiente para fazer evaporar a água da chuva antes que ela lhe caia em cima. A quantidade de madeira necessária para isto é diretamente dependente da enxurrada, mas o processo é sempre o mesmo.
Depois disto, quaisquer troncos grossos, mesmo encharcados, podem ser encostados à fogueira para irem secando, e vão naturalmente entrar em combustão quando estiverem secos.
Assim que o fogo está sustentável, aconselha-se que movam a proteção para o lado da fogueira, para que o calor das chamas não a derreta. Um abrigo inclinado irá proteger do vento e refletir algum calor para as costas, tornando uma estada à chuva bastante aceitável.
A grande vantagem de acampar à chuva é mesmo o facto de não ser preciso ir muito longe para buscar água boa para beber, e de raramente alguém nos vir chatear.
É então hora de juntar umas agulhas de pinheiro e fazer um cházinho carregado de vitamina C, para prevenir alguma constipação enquanto a roupa molhada seca em frente ao fogo.
Boa caça, e vemo-nos no mato.

Por Pedro Alves
Encontra este artigo na Revista Outdoor!

Pedro Alves © All rights reserved