O montanhismo ou ato de subir montanhas, é uma designação necessariamente lata.
Abarca em si mesmo várias modalidades desportivas, diferentes abordagens, níveis de envolvimento e intensidade de prática muito diferenciados. Basta dizer que pode ser praticado por crianças desde os 4 ou 5 anos de idade ou, pelo contrário, buscar um nível de desempenho apenas acessível a atletas de elevada prestação física e técnica. Pelo meio, abrange diferentes motivações, níveis de forma física muito variados e toda uma série de atividades paralelas que, em conjunto com o montanhismo, se podem desenvolver durante a sua prática, como sejam a fotografia, observação de aves e restante vida selvagem, turismo cultural e religioso, etc. E pode até ser praticado fora da montanha, por contraditório que possa parecer.
Existem correntes de pensamento que podem colocar em causa se estamos perante uma verdadeira modalidade desportiva ou uma forma de estar na vida. O “desporto que consiste em efetuar ascensões em montanhas” pode ser uma boa definição para um dicionário sintético de qualidade mas, como iremos descrever, ele é bem mais complexo do que isso.
Os nossos antepassados
A necessidade ancestral do homem se deslocar a esse meio inóspito que é a montanha, desde sempre, teve origem em diferentes motivações, tal como ainda hoje. A caça, a busca de novos territórios, causas militares, muitas foram as razões que levaram os homens a aventurar-se cada vez mais longe na montanha. O célebre “Otzi” (homem do gelo) do Sud Tirol, encontrado em 1991, depois de permanecer cerca de 5.000 anos congelado num glaciar, continua a gerar controvérsia sobre se era um pastor, um caçador ou um simples ladrão de gado em fuga. Já os romanos treinavam homens para escalar paredes de rocha de sítios fortificados, de modo a permitir, desde o seu interior, aceder a praças inexpugnáveis. A travessia dos Alpes por parte de Hannibal, em 218 a.C., além de um feito militar ímpar, deve ter constituído uma visão inacreditável, com os seus exércitos dotados de elefantes, de que aliás morreria a maior parte. Ainda uma referência a um português notável e talvez esquecido na sua saga: após 1620, o Padre Manuel de Andrade, natural de Oleiros e missionário em Goa, foi o primeiro europeu a atravessar os Himalaias e a atingir o Tibete, com passagens a mais de 6.000 metros. Um record de altitude em Portugal que perdurou por 4 séculos.
A ascensão do Monte Branco em 1786, por Balmat e Paccard, marcam o início do montanhismo moderno, que tem desde essa data, uma longa e rica história.
As diversas modalidades
Como já referimos, o montanhismo pode ser praticado tanto em montes e serras verdejantes ao lado da nossa cidade, como em montanhas que podem ir até aos 6.000 metros de altitude. Uma montanha como o Kilimanjaro (em África), com 6.000 metros de altitude, acessível ao comum dos mortais, pode ser enquadrada dentro do espírito do montanhismo, mas um “8 mil” já se insere necessariamente dentro de uma atividade de alpinismo.
Embora derivadas diretamente do montanhismo e com muitas afinidades, não iremos aqui abordar atividades autónomas e distintas como sejam o alpinismo, a escalada técnica “vertical” em rocha, o ski de travessia e as travessias polares com trenó (pulka) e recurso a meios de locomoção diversos (skis, cães, papagaios de vento, etc.).
Sistematizemos as diversas atividades que podemos realizar no âmbito do montanhismo:
• Passeios pedestres e marchas de curta duração, até um dia, acessíveis a todos;
• Marcha de montanha (trekking) com duração de um ou vários dias, assumindo neste caso geralmente características de travessia de um maciço, por exemplo, de percurso circular, de ida e volta pela mesma via, ou até ao longo de uma zona costeira, geralmente com importantes desníveis acumulados nos sucessivos vales;
• Ascensões a picos isolados ou maciços, geralmente com recurso a uma ou mais dormidas em refúgio ou tenda, podendo ser necessário o uso de corda e equipamentos de neve para efeitos de segurança em glaciar e de progressão, sem técnicas de especial complexidade;
• Acampamentos de montanha, como um fim em si ou como “campo base” para outras atividades.
Nas atividades com duração superior a um dia, é necessário incluir dormidas nas seguintes opções:
• Bivaque, apenas com saco cama ao ar livre ou em abrigos naturais p. ex. de rocha ou sem equipamento específico, no caso de bivaques imprevistos;
• Dormida em tenda;
• Dormida em refúgio de montanha
• Dormida em hospedaria (lodges) ou em casas alugadas à população local;
Material necessário
Os passeios pedestres e as saídas de baixa e média montanha de um dia, sem dificuldades técnicas ou condições meteorológicas adversas, pouco mais necessitam do que um bom par de botas leves ou uns ténis todo o terreno. O calçado é a peça mais importante desta atividade e deve ser confortável, resistente e bem rodado. Claro que temos de prever uma pequena mochila para transportar água, alguma comida e um casaco de proteção. É a base, quase sem custos específicos (todos temos uns ténis e um bom casaco) à qual poderemos gradualmente acrescentar ou não, consoante a especificidade da saída, instrumentos de orientação (mapa, bússola, GPS, altímetro, etc.), batons, proteção extra, uma pequena farmácia, meios de comunicação, luz frontal, máquina fotográfica, etc.
Dormidas em tenda, por sua vez, implicam já o recurso a material específico, além do próprio abrigo: um saco cama adequado para as temperaturas esperadas, um pequeno e fino colchão insuflável ou de espuma (mais importante no isolamento do frio do que geralmente se pensa), fogão para cozinhar e até para derreter neve em grande altitude. A dormida em refúgio de montanha reduz estas necessidades a um simples saco cama leve ou um lençol para utilizar com os cobertores do abrigo.
Ascensões que incluam neve, ou mesmo gelo, necessitam de piolet (picareta técnica), crampons (grampos para as botas), polainas, roupa em várias camadas, eventualmente corda, arnês e material específico de segurança.
Em relação ao vestuário, mais ou menos exigente com a altitude, o frio e eventuais condições de chuva ou neve, o mesmo pode ser estruturado em 3 camadas, passíveis de adaptação pessoal:
• 1ª camada interior (justa ao corpo), em tecido fino sintético e transpirável (p. ex. lifa), composta por calças ou collants e camisola de manga comprida;
• 2ª camada, constituída por camisola ou casaco, em tecido do tipo polartec (fleece) e calças resistentes mas flexíveis e transpiráveis;
• 3ª camada exterior, com casaco amplo do tipo goretex ou similar e calças impermeáveis, preferencialmente com fechos laterais a todo o comprimento da perna, para facilitar vestir com botas e para arejamento.
Cada vez mais se assiste na Europa a uma postura minimalista, em que atividades com algum envolvimento, em meio adverso de montanha e altitude, são realizadas com pouco equipamento, p. ex. ténis em goretex, pequena mochila, um impermeável e um par de batons.
Onde praticar
Como já referimos, um monte ou serra próximos da cidade (p. ex. Monsanto, junto da capital) ou pequenos maciços montanhosos inferiores a 500 metros de altitude, podem proporcionar atividades muito interessantes e até desafiantes, caso seja isso que se procura. Portugal dispõe de maciços magníficos e isolados, sobretudo na região Norte, como sejam o Gerês, Montesinho, Alvão/ Marão, Freita, etc. Acima dos 1.500 metros de altitude apenas a Serra da Estrela nos presenteia anualmente com condições invernais apetecíveis. Aqui ao lado, Espanha proporciona montanhas inigualáveis, sendo um dos países da Europa com maior altitude média, uma vez que toda a meseta está à cota 500. Diversos cumes de 3.000 metros, nos Pirinéus e na Andaluzia, proporcionam sensacionais programas, quer de verão, quer sobretudo de neve. O passo seguinte serão naturalmente os Alpes.
Quem pode praticar
Como acima vimos, esta modalidade de ar livre pode ser acessível, às costas de um pai ou mãe corajosos, desde tenra idade. Existem mochilas próprias para o transporte de bebés, em que o desafio está apenas em proteger a criança dos elementos e gerir as longas sestas com que sempre nos presenteiam. Crianças dos 5 aos 12 anos, especialmente em grupo e com o devido enquadramento adulto, podem realizar caminhadas e ascensões sem grande desnível. A partir da adolescência, desde que com treino gradual, os jovens aguentam tanto como um adulto.
Em suma, o montanhismo é uma modalidade multifacetada, plena de possibilidades e com o condão de poder proporcionar atividades com amplo retorno de satisfação, sem investimento relevante, quer para o turista ativo, quer para o atleta de elite.
Por Rogério Morais, pela A.D.A. Desnível
Imagem: Rogério Morais
Artigo disponível na edição 13 da Revista Outdoor na página 40