Sobreviver ao frio

Sobreviver ao frio

O frio está a chegar, e com ele os riscos associados a atividades de exterior.
A hipotermia é a principal causa de morte entre praticantes de atividades radicais, e o principal factor de desconforto ou necessidade de tratamento hospitalar para os aventureiros ocasionais.
Por isso é importante que conheçamos os mecanismos de perda de calor, para que saibamos como agir, e os métodos adequados de nos equiparmos para o frio, para que os possamos adaptar às nossas condições imediatas. Estes conhecimentos e técnicas podem fazer a diferença entre o conforto e uma estada miserável em campo, ou mesmo entre a vida e a morte.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

O nosso corpo precisa de manter uma temperatura média de 37ºC. Se a temperatura ambiente estiver entre os 28 e 31ºC, até podemos estar nús e inertes, que o nosso corpo consegue regular e manter a sua temperatura interior.
Abaixo dos 28ºC o nosso corpo perde calor para o ambiente, a não ser que estejamos devidamente equipados.
Uma vez que o nosso corpo produz calor pela queima de energia proveniente da comida que ingerimos, a exposição ao frio pode significar que passamos fome, pois necessitamos de mais comida do que o habitual, ou a exaustão física, pois o corpo vai estar a desenvolver um esforço enorme para produzir calor.
Vejamos então os mecanismos pelos quais perdemos calor.

1. Radiação

A radiação é energia emitida naturalmente por um corpo. É o que nos faz sentir quentes junto do fogo ou em exposição solar. É por isso que aparecemos a vermelho nos sensores de infravermelhos.
O nosso corpo emite constantemente radiação e não há muito que possamos fazer acerca disso.
Mas o facto de usarmos roupa não impede a perda de calor por radiação, pois passamos esse calor para a roupa que por sua vez o passa para o ambiente. E curiosamente quanto mais frio está, mais o nosso corpo emite radiação.
Apesar de não podermos fazer nada acerca disso é importante estarmos conscientes das consequências da exposição ao frio.

2. Condução

A condução é uma troca de energia entre dois corpos em contacto, que vão tender para a estabilização, harmonizando a temperatura entre eles. A velocidade a que o calor é transmitido depende da conductividade do meio, e é por isso que perdemos mais calor para a água, que é uma excelente condutora, do que para o ar.
Se bem que conseguimos rapidamente aquecer uma pedra na nossa mão até à temperatura exterior do nosso corpo, não conseguiríamos aquecer uma pedra de uma tonelada por mais que nos abraçássemos a ela sem roupa, por causa da superfície de dissipação que esta tem.
Em atividade, os locais mais frequentes de perda de calor por condução são as solas dos pés e o traseiro quando nos sentamos.
Colocarmo-nos em cima de alguns ramos quando vamos parar, em vez de diretamente no solo, faz uma diferença enorme para o conforto dos pés.

3. Convecção

Este é provavelmente o factor a ter mais em conta.
O ar quente é mais leve que o ar frio. O ar quente sobe e o ar frio desce.
E a convecção acontece quando há contacto com um fluido ou gás em movimento. O ar junto da nossa pele vai ser aquecido pelo calor do corpo, vai subir, criando um diferencial de pressão, puxando ar frio, que nos obriga a repetir o processo de aquecer o ar à superfície da pele. Criar camadas de ar junto ao corpo presas pela roupa em camadas é o que nos vai permitir mantermo-nos quentes. É o ar que nos mantém quentes, e não as roupas.

As zonas onde se dá a maior perda de calor são a cabeça e o pescoço. Quando experimentamos uma perda significativa por estes sítios, o corpo começa a cortar aquecimento às extremidades, pés e mãos, para gastar essa energia nas partes mais importantes do corpo, o torso e a cabeça. Portanto uma boa proteção do torso, pescoço e cabeça é o primeiro passo para manter os pés e as mãos quentes.
O vento frio também proporciona uma enorme perda de calor por convecção, pelo que ter uma camada exterior que bloqueie o vento é essencial no mecanismo de manutenção de temperatura.
Mas enquanto o ar é um bom isolante, a água é um bom condutor, e nada nos retira mais calor do corpo que ter a pele húmida, como quando suamos. Por isso é importante que a regulação térmica seja apenas a suficiente para nos permitir estar confortavelmente frescos.

4. Evaporação

A evaporação é um processo natural de arrefecimento do corpo. Quando a água evapora dá-se uma reação endotérmica, e o calor é absorvido, provocando uma sensação de frio. É o mesmo princípio dos frigoríficos e das melancias.
Portanto, de cada vez que suamos, ou que a humidade da nossa roupa evapora, perdemos calor. E a água conduz o calor para fora do nosso corpo 25 vezes mais depressa que o ar.
Por isso é da maior importância que nos conservemos secos quando estamos no mato.
A primeira linha de defesa contra a hipotermia é a roupa, que impede a água de molhar as nossas roupas. Mas a mesma roupa que afasta a água, se estivermos a fazer exercício, pode impedir a evaporação do suor.
Por tanto se tivermos em conta a temperatura ambiente e o nosso nível de esforço podemos contribuir para a manutenção de uma temperatura corporal estável se:
-Ajustarmos as nossas camadas de roupa, de modo a não estarmos nem sub nem sobreaquecidos
-fizermos uma boa ventilação, permitindo a saída de humidade e controlando a entrada de ar frio
-regularmos a nossa atividade, evitando situações em que o ajuste e a ventilação não sejam suficientes

5. Respiração

Sim, perdemos calor a respirar. Não há muito que possamos fazer para o impedir.
O ar que entra nos nossos pulmões tem que ser aquecido, e isso é feito através de vapor de água. Ao expelirmos, deitamos fora esse vapor aquecido, e vamos voltar a repetir o processo com a próxima inalação. É por isso que em tempo frio, a desidratação é um perigo real, pois estamos a gastar mais agua do que o habitual para aquecer o ar que respiramos, e enquanto é fácil mantermo-nos hidratados em tempo quente porque temos sede, em tempo frio temos que fazer um esforço consciente para beber água. Além disso, quanto mais frio é o ar mais seco ele é, agravando ainda mais a situação.
Agora que já conhecemos os mecanismos de perda de calor, podemos aplicar o aprendido no modo como nos equipamos para o frio.
Devemos vestir-nos por camadas, de modo a capturar a maior quantidade possível de ar entre a nossa pele e o exterior, tomando especial atenção a proteger o torso, cabeça e pescoço.
Apesar da camada exterior dever ser impermeável, para impedir que as roupas fiquem molhadas e percam a sua capacidade isolante, deve ser tido em conta a necessidade de ventilação, não só para permitir a libertação do suor como para impedir a entrada de ar frio junto aos pulsos e tornozelos.
As camadas devem ser vestidas e despidas de acordo com o tipo de exercício físico que estamos a fazer.
Evitar a todo o custo o algodão. Este perde muito rapidamente a capacidade isolante quando húmido, pela quebra das fibras, e demora a secar. Optar antes pela lã, que retém 80% do calor mesmo molhada, ou em alternativa pelas fibras sintéticas.
A roupa deve ser usada solta, não só para prender mais ar junto ao corpo mas também para evitar o corte de circulação sanguínea que pode impedir o aquecimento das extremidades.
E principalmente devemos manter-nos secos.

Por Pedro Alves
Encontra este artigo na Revista Outdoor!

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